Quando Luiz Inácio Lula da Silva, presidente da República, anunciou um novo modelo de crédito imobiliário focado na casa própria da classe média, o país pôde sentir o baque de uma política habitacional inédita. O discurso aconteceu no Incorpora 2025São Paulo, às 14h30, no Expo Center Norte, na zona norte da maior metrópole brasileira. A medida, já publicada em edição extra do Diário Oficial da União em 9 de outubro, visa abrir o financiamento habitacional para famílias que recebem entre R$ 12.000 e R$ 20.000 mensais – um segmento antes excluído tanto do Minha Casa, Minha Vida quanto dos programas privados.
Contexto histórico das políticas habitacionais
Desde a criação do Sistema Financeiro da Habitação (SFH) em 1964, o Brasil tem alternado entre programas de alta demanda e linhas de crédito restritas. O Conselho Monetário Nacional (CMN) recentemente reconheceu que, após 2020, o crescimento dos saques da poupança drenou recursos que antes eram canalizados ao crédito habitacional, deixando a classe média sem opções viáveis. O Banco Central do Brasil passou a liberar parte desses depósitos para que bancos pudessem ofertar financiamentos em condições mais competitivas.
Detalhes do novo modelo de crédito
O programa estabelece que a Caixa Econômica Federal financie até 80 % do valor do imóvel, com taxa de juros anual limitada a 12 % e limite máximo de compra elevado de R$ 1.500.000 para R$ 2.250.000. A meta é conceder 80 000 novos financiamentos até o fim de 2026, liberando um total de R$ 111 bilhões a partir de 2027 – dos quais R$ 36,9 bilhões estarão disponíveis já no primeiro ano de operação.
Para tornar o fluxo de recursos possível, o modelo altera o Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo (SBPE), permitindo que instituições financeiras utilizem depósitos compulsórios no Banco Central como contrapartida para oferecer crédito imobiliário. A exigência é que cada real destinado ao depósito gere um real em crédito habitacional.
- Faixa de renda beneficiada: R$ 12.000 a R$ 20.000 mensais;
- Valor máximo do imóvel: R$ 2.250.000;
- Juros máximos: 12 % ao ano;
- Financiamento: até 80 % do preço;
- Meta: 80 000 unidades até 2026.

Reações de autoridades e do setor
No palco do evento, o ministro do Desenvolvimento Regional, Jader Barbalho Filho, destacou que “só na Caixa estão previstos mais 80 mil novas habitações financiadas”. Já o presidente da Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc), Luiz França, afirmou que a medida “transforma realidades e fortalece comunidades”.
Renato Correia, presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC), reforçou o ponto de vista ao dizer que “as mudanças se concentram na classe média, que estava carente de fontes seguras de financiamento”. Por outro lado, especialistas do setor fintech, como Thiago Yaak, CEO da Liquid, alertam que “o sucesso dependerá da qualidade das informações de risco e da transparência dos dados”.
Impacto esperado e desafios
Analistas da Brain Inteligência Estratégica estimam que, ao atingir a faixa de renda entre R$ 12 mil e R$ 20 mil, o programa pode colocar em crédito habitacional mais de 300 mil brasileiros nos próximos três anos. Contudo, o volume de recursos liberado ainda depende da capacidade dos bancos de repassar os depósitos compulsórios ao mercado de forma ágil. A volatilidade da taxa Selic, que atualmente está em 13,75 %, também pode pressionar as margens de lucro das instituições, reduzindo a oferta efetiva.
Outro ponto crítico é a necessidade de documentação completa e avaliação de risco preciso. “O crédito imobiliário é um ativo de longo prazo; falhas na análise de crédito podem gerar inadimplência e comprometer a sustentabilidade do programa”, ressalta Yaak.

Próximos passos e perspectivas
O governo informa que a primeira leva de contratos será assinada ainda em dezembro de 2025, com desembolso imediato de R$ 36,9 bilhões. A partir de 2026, as demais linhas de financiamento deverão entrar em operação gradualmente, acompanhadas de uma campanha de educação financeira nas regiões Norte e Nordeste, onde a demanda por moradia é historicamente maior.
Se tudo correr conforme o planejado, o modelo pode servir de referência para outros países da América Latina que enfrentam o mesmo dilema de financiar a classe média sem sobrecarregar o setor bancário. O próximo grande teste será a integração dos sistemas de registro de imóveis digitais, que o Ministério da Justiça tem sinalizado como prioridade para 2027.
Perguntas Frequentes
Quem pode solicitar o novo crédito habitacional?
Famílias com renda mensal entre R$ 12.000 e R$ 20.000, independentemente de possuir ou não imóvel anterior, podem solicitar o financiamento. É necessário comprovar renda, regularidade cadastral e capacidade de pagamento.
Qual o valor máximo que a Caixa pode financiar?
A Caixa pode financiar até 80 % do valor do imóvel, com limite máximo de R$ 2.250.000. Isso significa que, para um imóvel de R$ 2 milhões, o comprador precisaria aportar R$ 400.000 como entrada.
Como a taxa de juros de 12 % se compara ao mercado privado?
Atualmente, os bancos privados oferecem juros entre 14 % e 18 % para a mesma faixa de renda. O teto de 12 % representa uma economia significativa, reduzindo o custo total da dívida em até R$ 150.000 ao longo de 30 anos, dependendo do valor financiado.
Quais são os principais riscos para o programa?
Entre os riscos estão a insuficiência de crédito fornecido pelos bancos, a alta inadimplência se a renda das famílias cair e a volatilidade da taxa Selic, que pode elevar o custo do financiamento para a Caixa. A implementação de sistemas de registro digital de imóveis pode mitigar parte desses desafios.
Quando se espera ver os primeiros contratos assinados?
O governo divulgou que a primeira leva de contratos deve ser assinada em dezembro de 2025, com desembolso imediato de cerca de R$ 36,9 bilhões. As demais parcelas do programa vão se suceder ao longo de 2026.
Comentários
Anderson Rocha
O anúncio do novo crédito habitacional chegou como um trovão silencioso, balançando as expectativas da classe média. Mesmo com o tom reservado, não dá para negar que há um peso enorme nas costas dos que ainda não têm casa própria. A proposta parece promissora, porém, ainda há dúvidas sobre a velocidade de liberação dos recursos. No fim, tudo dependerá da eficácia das instituições financeiras.